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Assistente editor: Hugo de Aguiar

deaguiar.hugo@gmail.com

ode para a mulher madura

oh... almas encarriladas.. que gritais nos arcaboiços surdos
néscios remos.. lenhos.. que deslizam em oceanos mudos
o soterramento prematuro.. das malditas asas.. sem esferas
que vos mantém suspensas.. sem guia.. entre duas atmosferas
belzebu já não negocia.. morreu no paço.. o fogo é sorrateiro
a cada uma.. de criar um novo inferno.. impetuoso e arteiro
*
oh... corpos famintos.. que minguais nos rastos dos avos
desanexadas.. nas masmorras tabuleiros.. sem conchavos
tantos gemidos maduros.. semeiam os espaços viúvos
de amamento.. os peitos ficaram infecundos de uivos
tanto arfar leva o vento.. as vindimas assobiam castas novas
que esbarram nos ventres.. despenhadeiros sem as covas
*
nos cestos castos.. só pedras... que o lagar não pode pisar
os cachos desmaiados.. penitentes.. com médão do avinhar
as cantigas.. que pendem dos vossos peitilhos pirrónicos
são partições sem sinónimos.. currais de espectáculos cónicos
sem revolta.. afónicas.. retraio.. aflição.. audição fantasiosa
pernoitada na divisória próspera.. mais leviana e gulosa
*
e os olhos que viajam.. viajam.. para o almejado contento
as pernas recuam.. recuam.. recuam.. fugindo do sustento
as vossas filhas.. sugaram os vossos requisitos tentadores
as roupas são agora.. florilégios.. albufeiras de amores
comeram as vossas mestrias... beberam a seiva gorda
esperneiam nos vossos espelhos.. cozinhada açorda
*
com esgares esparramados nos montículos soerguidos
e telegramas amontoados na órbita dos alaridos
as princesas enterram as rainhas.. no baixel do bacanal
apenas uma coroa esbanjada.. nem uma noticia no jornal
ouro velho.. debaixo da cama.. ímpeto combalido
o secular governa.. o reino aboloreceu no tímpano ferido
*
revoltem a natureza.. os trapos envelhecem no coradouro
sem marcas de amor.. ruço esparzir açaimado.. no bambo couro
as esquinas do templo.. são ilustrações fantasmagóricas
que anestesiam os impulsos.. e historiam efígies alegóricas
amarradas por cangas.. tecidas no arcaísmo dos profetas
oh... barrigas vazias de calcos.. de afagos maldosos e estetas
*
já não desbarrigam paraísos.. mas juízos incultos e pardos
fugindo da luxúria.. abeiram-se com os beiços enfatuados
molduras ejaculadas.. nas bermas vergonhosas.. que o mato esconde
um olho inquiridor.. circunda o monte.. mas ninguém responde
esposas do travesseiro.. folhoso alabastro.. que colhe dos olhos a tinta
escrevem sibilinamente nos lençóis.. jogos bombásticos de finta
*
noivas do divino.. na fileira de espera.. a morte é o coito final
que gosto desleal.. que engano mavioso.. no abastardo celestial
pulsam ainda réstias de mulher.. que coletes muros amansam
até ao desabe.. nas ruínas laureadas.. os sorrisos mornos descansam
os braços que nada apertam.. sim... miragens... e ventos tediosos
que afastam a chuva de ecos flóreos.. e cabelos raivosos
*
o medo da bebedeira.. a falta de rega faz secar a raiz da parreira
e as folhas caem uma a uma.. na despovoada e inválida esteira
já não há leitura.. na mesa dos comensais.. a ceia está fria
ainda subsiste uma migalha quente.. convite de teimosa cria
mas.. estilhaça-se o copo.. no corpo forjado de curvas alheadas
e o vinho é servido.. gota a gota.. em folhas desacreditadas.

ferool

PS: Em fase de nova formatação...

A besta acordou o homem

PS: Os meus trabalhos tem as seguintes assinaturas: Fernando Oliveira, Antanho Esteve Calado, Ferool e Montefrio
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O homem levanta a mão prestes a abater-se sobre a mulher
Esta olha a mão pesada, nela nada sabe ler, suplica consenso
Será ferimento ou morte? O que o gesto vai trazer
A violência abate-se e a interrogação fica em suspenso.

Nenhum lamento sai da sua garganta, só um ríctus de tristeza e um esgar de estupor
E o sangue que brota da boca outrora bela e desejada
Os olhos tacanhos requerem uma pausa ao agressor
Mas o bruto repele o mendigar da sua amada.

A mulher sente um frio triste de criança, abandonada pela defesa
Num gesto natural anicha-se no chão na postura do embrião
Renuncia no canto, que pensa ser o seio matricial, aos trunfos que lhe deve a natureza
E abandona-se ao furor daquele que lhe ganhara o coração.

As mãos aproximam-se como tenazes, para extraírem do rosto os restos de vida
A mulher já não é, senão uma criatura regressiva
No olhar vazio de futuros, desfilam extractos dos tempos de ternura
Natureza morta, cobaia de artistas adormecidos, em tela caída
Braços dormentes, que cobrem ainda uma cabeleira expressiva
Boca despida de gritos, de lábios derribados pela tortura.

As pancadas caiem cadenciadas, o esposo é um animal feroz
Até que o cérebro da infeliz mais não possa resistir
A algazarra retira-se, poisa-se no silêncio dos rameiros
Uma música medonha sai das entranhas do algoz
As bestas agoiram nos restolhos, o tempo suspende o seu porvir
E as flores retraem-se medrosas, murcham-se nos canteiros.

O homem apagou a união sagrada, os estatutos sociais já não valem nada
Os contratos arderam na exaltação da animalidade ressurgida
Os sociólogos fazem resumos, os poetas fogem pela calada
E as seitas filosofadas fazem analises e fotografam a vida destruída.

O homem olha as mãos assassinas outrora ninhos de afago
Mãos que riscaram o amor num quadro desolado de agrura
De gestos irracionais que expungiram uma vida num trago
Que nasceram da razão e acabaram na loucura.

O homem não mais será bem-vindo à cidade da tolerância
Para seu castigo verá no fundo do seu poiso, estúpido e nauseabundo
O filme dum amor terno nascido em bela infância
Até que a misericórdia o retire deste mundo.

Antanho Esteve Calado